Não foi só a ausência dos palcos que afetou drasticamente a sobrevivência do teatro durante a pandemia. Cortes de gastos, demissão de artistas, falta de recursos e de investimentos são alguns dos elementos que dificultou que a arte teatral continuasse viva durante o período de isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus. Segundo dados levantados pela UNESCO de 2021, o setor cultural foi o mais afetado pela pandemia. 63% dos profissionais da área tiveram suas receitas reduzidas: 77% entre os que atuam no circo; 73% em casas de espetáculo e 70% no teatro.
Mas o espetáculo teria, de alguma forma, continuar de algum jeito! E as cortinas nunca deixaram de se abrirem e nos fazer descobrir um novo mundo através da arte e da criatividade. Apostar em novos formatos e linguagens foi a saída para que companhias ao redor do mundo mantivessem seu espetáculo vivo e chegando na casa das pessoas. O formato online com apresentações feitas em casa; monólogos profundos e íntimos de atores e atrizes que foram se reinventando e fazendo da arte uma forma de respiro no meio de tanta dor e insegurança foram acontecendo nos palcos da vida, da sala de estar, das casas.
Abram as cortinas, quer dizer, clique na live
Segundo o CTAC – Centro Técnico de Artes Cênicas do Brasil, o país contém mais de 70 Teatros ativos espalhados pelos cinco continentes. A pandemia da covid-19 obrigou que todos eles encerrassem suas atividades e aderissem, como qualquer outra instituição, às normas sanitárias de lockdown. Com as portas dos centros históricos de espetáculo, as cortinas precisavam encontram outras formas de continuarem apresentando o show. Surge, então, uma nova proposta: apostar no audiovisual, na internet e nas plataformas de vídeo. Kelvin Millarch, diretor e produtor da Cia Kà de Teatro conta como que esse processo foi acontecendo: “com a proposta de adaptar-se ao audiovisual, o fazer artístico se manteve presente em nosso cotidiano. Conforme os processos se desenvolviam, novos aprendizados surgiam com relação as montagens presenciais”, conta Millarch. Além do mais, ele revela que no futuro, “haverá reflexões sobre como a tecnologia influenciou nossa vivência na cena cultural e isso refletirá diretamente nas futuras montagens presenciais”, complementa.
O pensamento clichê, “o show precisa continuar” tornou-se mais que um mantra, mas uma promessa. Millarch revela um pouco do que a Cia planeja: “após dois anos trabalhando com audiovisual e processos cibernéticos, o objetivo dos diretores da Cia é estrear duas das montagens que estavam em processo, são elas “É Ser: Odelair!”, peça que refletiu no curta “Um prólogo para Odelair Rodrigues”, e “Archigram”, onde estudos sobre a obra de Ray Bradbury e do movimento pós-modernista que dá o nome da peça promovem discussões da sociedade e sua dependência tecnológica”. O pós-pandemia já está trazendo para os artistas teatrais algumas luzes de esperança, conta Millarch, “houve a estreia de “DOCE²” no Festival de Teatro de Curitiba, também no ano de 2022, espetáculo este qual buscamos criar uma grande circulação pelos palcos que aguardam espetáculos após tanto tempo de isolamento”.
Se a vida mudou, o teatro também precisa mudar
Não sabemos se o que estamos vivendo hoje já pode ser chamado de “o novo normal”. Uma coisa é certa, da pandemia sairemos diferentes, mudados, transformados. Nossos estilos de vida, o modo de conviver, as experiências que tivermos sofrerão os impactos causados por esses meses obscuros que todos nós passamos. Encarar o novo pode gerar um pouco de resistência, “de início houve um grande apoio e acolhimento do público, cada um de sua própria casa promoveu a cultura da forma que pode, seja colaborando com apoios financeiros para incentivo ou compartilhando e sendo uma plateia virtual das montagens”, Millarch conta que o apoio do público é essencial, e, continua, “ao passar dos meses o interesse do público ficou um pouco mais debilitado, então houve um foco em trabalhar nas divulgações e promover trabalhos de interesse do público, sem muitos riscos e, após essa etapa, voltar a produzir uma arte que instigue-os, tirando o público da zona de conforto.
A arte, seja ela do teatro, do cinema, da música, da literatura, é um reflexo de nossas vidas. A arte é o que nós somos! E a missão dela é dizer o que todos nós sentimos, sonhamos, lutamos, vivemos… “Como missão, o fazer artístico já é um ato político, busco desenvolver processos para que os artistas se envolvam de cabeça em seus personagens, para assim levar uma mensagem ao público, mesmo que seja uma mensagem subjetiva, mas que saiam do teatro ou de suas telas com questionamentos e motivações para que eles também promovam esses debates e atitudes, o fazer teatral é sobre questionar, tocando a alma do observador, independente da linguagem proposta”, conclui Kelvin Millarch.
